Entrevista do Diário de Notícias a Álvaro Beleza, Presidente da SEDES – 18/06/2021

Entrevista dn-tsf a Álvaro Beleza, Médico e presidente da SEDES (18-06-2021)

Entrevista Rosália Amorim e Pedro Pinheiro (TSF)  fotos Gerardo Santos / globalimagens.

É o primeiro médico a presidir a SEDES – Associação para o Desenvolvimento Económico e Social, organização que está a celebrar 50 anos. Tem uma vida pública entre a medicina e a política, esteve na fundação da JSD nos anos 1980, aderiu ao PS, tendo sido dirigente nacional na liderança de António José Seguro e hoje, aos 62 anos, continua a assumir-se como um socialista liberal.

“Sempre que há tragédias desta envergadura há sempre oportunidades e a seguir há grande desenvolvimento tecnológico e económico”


DN-Quando ganhou as eleições para a presidência da SEDES, faz na próxima semana um ano, afirmou que a crise que vivíamos – e que ainda vivemos – devia ser transformada numa oportunidade. Parece-lhe que, um ano depois, estamos a conseguir fazê-lo ou estamos a desperdiçar essa oportunidade?

AB-A questão de oportunidade, mantenho. Sempre que há tragédias desta envergadura há sempre oportunidades e a seguir há grande desenvolvimento tecnológico e económico. Houve os loucos anos 20 e muitas previsões apontam nesse sentido, que vamos ter um crescimento económico global extraordinário. Portugal tem aqui uma oportunidade e não é só pelos fundos europeus, a famosa bazuca. É aproveitar oportunidade do crescimento, que permitirá à nossa economia exportar mais e um crescimento robusto que não teve nos últimos 20 anos, pois foi anémico, em terminologia médica. Na SEDES estamos a organizar o nosso congresso com um grupo de trabalho para apresentarmos propostas nos vários temas da vida pública do país para que Portugal não desperdice esta oportunidade. Não podemos desperdiçar, seria criminoso para nós próprios, para os nossos filhos. Há que ter bom senso, humildade de ouvir todos, seguir evidências. A ciência vive, precisamente, da discussão e do debate. Da tese e da antítese. E, portanto, da experiência e do erro. Se tivermos isso, e com muito trabalho, e com ambição, com espírito de ambição… é um pouco o espírito da seleção nacional e do Cristiano Ronaldo. Se tivermos espírito de querer ganhar este desafio Portugal terá sucesso.

“Portugal tem de apoiar mais as empresas. Precisamos de empreendedores! De líderes que corram risco, que assumam o risco, e precisamos de um Estado que ajude ao risco.”

DN-A SEDES criticou a falta de visão estratégica ambiciosa do PRR. É uma apreciação que mantém?

AB-O programa tem uma visão estratégica, tem ambição. A questão que nos pareceu e continua a parecer, é que Portugal tem de apoiar mais a economia e as empresas portuguesas, os empresários portugueses e os empreendedores. Nós precisamos de empreendedores! Nós precisamos de líderes que corram risco, que assumam o risco, e precisamos de um Estado que ajude o risco. Nos EUA, se não houvesse capitais de risco não havia Steve Jobs, não havia Apple, não havia Amazon. As grandes empresas mundiais são quase todas americanas e quase nenhuma europeia. Porquê? Porque há um apoio ao risco. Temos de ter um Estado amigo do investimento, das empresas e, portanto, estes fundos europeus, na nossa opinião, deviam ser mais canalizados para o terreno, para aqueles que estão na indústria exportadora, na economia exportadora. E temos de ter mais dimensão das nossas empresas e mais exportação com alto valor acrescentado. Não compreendo, como médico, como é que Portugal com a história que tem, não tem uma indústria naval competitiva a nível mundial. O mar para nós é essencial à nossa vida, desde a nossa fundação. E, portanto, temos de ter indústrias de alto valor acrescentado. E quais são? Aviação, que já temos em Évora, a própria manutenção aérea, a indústria automóvel que temos de desenvolver. Não chega o país vender têxtil, sapatos e turismo.

A SEDES apresentará em outubro, no seu 5º Congresso um conjunto de propostas para a década.

DN-A SEDES apresentará em outubro, no seu quinto congresso, um conjunto de propostas para a década. Já nos pode adiantar algumas das outras propostas?

AB-Temos 12 grupos de trabalho. Este vai ser o quinto congresso da SEDES e é o primeiro que não vai ser em Lisboa, só. Vai começar em Lisboa e acaba em Lisboa, mas vamos ao Porto, ao Palácio da Bolsa, tratar das questões da economia, das finanças públicas, da indústria, do ambiente, da energia e o Porto é, de facto, a capital do nosso pulmão económico, comercial, e o Palácio da Bolsa é simbólico nessa expressão. Depois Universidade de Coimbra para tratar as questões da educação e da justiça, um dos setores que Portugal mais precisa de se reformar. Para termos um crescimento económico mais robusto temos de ter políticas amigas do investimento, seja nacional seja internacional e, portanto, a política fiscal é importante. Tem de ser competitiva, nomeadamente com o vizinho do lado. Portugal devia ter sempre menos carga fiscal que a Espanha, no IRS, no IVA e no IRC com o vizinho do lado, que é esse o primeiro competidor que nós temos, mas também temos de ter uma justiça no século XXI. A justiça é dos três pilares da democracia, e nós uma democracia liberal que vivemos, não podemos esquecer de que temos três pilares centrais: o executivo, o legislativo e judicial. Judicial foi o que menos mudou desde o século XIX, desde o liberalismo do século XIX. E muito dele ainda está no século XIX. Qual é o maior problema da Justiça? É a lentidão. Estamos a trabalhar muito nesse sentido e Coimbra aí pode ter um papel importante, porque também o país precisa de descentralizar. As instituições não têm que estar todas em Lisboa, nomeadamente os tribunais superiores, as entidades regulatórias. Também vamos tratar a regulação em Coimbra. Temos de pensar no interior. Estamos a trabalhar na Diáspora, também. Portugal é um pequeno país, mas é uma média potência global. E, já agora, assumimos como europeístas e a SEDES foi criada nesse desígnio, de um Portugal europeu, com os jovens que fizeram a SEDES, desde Sá Carneiro, António Guterres, Marcelo Rebelo de Sousa. Eles queriam que em Portugal democrático, europeu, mais desenvolvido, com o Estado social, no fundo os objetivos foram atingidos, mas Portugal não é só europeu. Portugal é global. Nós somos muito africanos. Talvez os mais africanos dos europeus. A nossa economia já está muito mais ligada a África. Temos de aproveitar a diáspora portuguesa e a lusofonia. A CPLP praticamente não existe, é uma coisa interessante, mas tem de dar um salto. E temos de seguir outros que fizeram parecido. É vendo as evidências. CPLP. Qual é a semelhante? É a Commonwealth. Como é que nós podemos melhorar a CPLP de modo a ser win-win. Não podemos pensar em Portugal. Estamos a pensar sempre em lusofonia, em todos os que falam português. Olhe, nos jogos de futebol todos vibram em Luanda! Isto é relevante e isto é um asset para a nossa economia e de todos os países. Não é por acaso que acabamos o congresso em Carcavelos, na Universidade Nova [Nova SBE], virada ao mar. Porque Portugal é Atlântico. Nós somos euro-atlânticos. No fundo, é olhar para a frente. Sobre o PRR, a SEDES vai produzir um conjunto de textos, e propostas concretas, e apresentá-las ao Presidente da República, ao presidente da Assembleia da República, ao Governo e aos partidos que estão, digamos, na área das SEDES. Porque a SEDES é o centro, é o meio.

DN-Uma espécie de proposta de governo para a próxima década?

AB-É aquilo que a SEDES fez no passado. São propostas que os governos, quanto a nós, deveriam aproveitar para as próximas décadas. Este e outros que se lhe seguirão.

DN-Esta crise veio expor uma economia muito dependente do turismo. Foi um erro estratégico?

AB-Não acho que foi um erro. Portugal precisa de turismo, temos de ter melhor turismo, corrigir erros e excessos, mas não há nenhum país sem turismo.

DN-Mas deveria Portugal equilibrar mais essa aposta com inovação e desenvolvimento, por exemplo?

AB-Tem de ser tudo com equilíbrio. Mas o turismo é fundamental. É um asset que Portugal tem. Nós descobrimos o mundo e nos últimos anos o mundo descobri-nos. E não é por acaso que ganhámos os prémios do Turismo. O que é preciso é fazermos turismo também de saúde, as universidades captarem mais jovens estrangeiros, mais inteligências para a economia. Nós temos de apostar na investigação e desenvolvimento e no ensino. É isso que nós temos de fazer. Nós temos de atrair os melhores para cá. Os Estados Unidos são a potência que são, mas não são os americanos que são os Nobel, a NASA, as tecnológicas. São indianos, paquistaneses, portugueses, são de todo o mundo. Foram sempre buscar os melhores. É nisso que a Europa e Portugal têm condições excecionais. Não temos nenhuma doença (isso eu posso garantir) genética. Os portugueses são tão bons como os outros ou, às vezes, melhores.

DN-Há um ano manifestava dúvidas sobre a estratégia do Governo para a TAP. Questionava se faria sentido investir milhões na companhia quando o futuro já não passava pelo avião, passava, por exemplo, pelo comboio. Um ano depois já tem mais certezas sobre as opções tomadas para a TAP?

AB-Acho que tenho alguma razão. Isto é: Portugal tem de ter ótimos aeroportos, para ter os aviões e as companhias que nos queiram servir. Eu não tenho dúvidas que o desenvolvimento do turismo em Portugal, nomeadamente, europeu, deve-se às low-cost. Aquilo que estão a pensar para a TAP não está mal pensado, para voos longo curso e para a ligação à Diáspora portuguesa, à lusofonia. Isso faz sentido. Agora com muito cuidado e cautela, porque realmente para que isso não seja pior que o Novo Banco. Porque nós já estamos muito escaldados com este problema de não se poder deixar acabar nada e depois nós acabamos é com a nossa vida porque vão-nos aos impostos e todos nós pagamos para isto.

DN-É o primeiro médico presidente da SEDES e o diretor do serviço de sangue do hospital de Santa Maria, e considerou até que esta sua eleição foi, de uma maneira, uma homenagem ao SNS. Nessa qualidade, de médico, como é que avalia a atuação do governo, também do Presidente da República, no combate à pandemia?

AB-Com altos e baixos, porque não há ninguém perfeito. Acho que Portugal tem bons políticos à frente das instituições, seja o Presidente da República, o primeiro-ministro, os líderes dos outros partidos. Tem gente sensata, ao contrário até de outros países. Conseguem redimir as suas diferenças de um modo civilizado e cordato. O que não é pouca coisa nos tempos em que vivemos. Acho que todos cometemos erros. Nós próprios temos dúvidas sobre tudo isto, porque é um vírus novo, com variantes novas. Isto é, nós não podemos estar certos de nada. temos de ter prudência, sensatez, seguir a evidência e a ciência e, nomeadamente. Não estamos sozinhos – o vírus não é português – e a Europa acho que falhou bastante. Teve pouca coordenação ao nível das decisões de saúde pública, devida ter tido mais. Sobre o futuro estou cético. Acho que não fez o suficiente nas estruturas europeias para passar a ter um comissário da saúde, instituições da saúde mais fortes, que possam tratar destes assuntos com outra coordenação. Portanto, apesar de tudo tentou-se ter entendimento entre o Presidente da República e o governo, o que é muito importante. Eu manifestei dúvidas sobre aquelas reuniões do Infarmed. Sou sincero. Acho que estas coisas devem ser mais no recato e isto não é para fazer na frente das televisões e das rádios. Se eu fosse a ter uma reunião clínica com os meus colegas – ainda à bocado falar sobre um doente, ao pé da família e dos amigos, não era possível. Não quer dizer que não sejamos transparentes, mas tem de haver recato.

DN-Deviam ter sido feitas à porta fechada. É o que está a dizer.

AB-Eu acho que isso é ruído a mais. E alguns são meus amigos e eu recomendo-lhes sempre para falarem menos.

DN-Nos últimos dias ouvimos o Presidente da República assegurar que, com ele, não voltaremos atrás no processo de desconfinamento. E o primeiro-ministro dizer que ninguém o pode garantir. Quem tem razão?

AB-Eu percebo o Presidente da República, porque acho que nós temos de fazer tudo para não voltar atrás. E é possível não voltar atrás. Para isso é preciso medidas mais disciplinadas e localizadas de contenção. Se Lisboa está a aumentar muito os casos é natural e já não se pode avançar para a fase seguinte ou, porventura, recuar em algumas matérias. Mas lá que se recue não quiser que se recue como se recuava. Onde eu acho que aqui tem de haver – e os portugueses são criativos nisto, e há coisas que nós somos melhores que muitos europeus é nisso – é a flexibilidade. Temos de arranjar aqui soluções criativas que prejudiquem o mínimo possível a economia portuguesa e que evitem a contaminação de casos. Ao mesmo tempo acelerar as vacinas. A questão da vacina é aqui a chave. Nós conseguimos uma coisa fundamental, que foi vacinar os doentes de risco, que estão praticamente todos com mais de 90% vacinados na segunda dose. E por isso é que o número de mortos está a baixar. E por isso é que a partir do momento em que nós entramos com vacina na equação tem de entrar dois dados fundamentais: os internamentos em cuidados intensivos e o número de óbitos. Porque por dia morrem, em Portugal, cerca de 300 pessoas. Por dia, de cancro, morrem cerca de 100 pessoas ou mais, em Portugal. E, portanto, se morrem cinco de covid, temos de ter a noção do equilíbrio disto. Agora, as pessoas também têm de ser responsáveis. Depende de cada um de nós, vamos ter de continuar a usar máscara, porque o vírus continuará por aí. Nós vamos continuar, mesmo os vacinados, a poder apanhar covid, a ter uma doença ligeira, mas é possível. E com novas variantes, vai haver mais variantes, vamos ter provavelmente de nos vacinar todos os anos com uma vacina já com as variantes e, portanto, vamos ter de ter aqui cautelas.
Na mensagem que foi dirigida aos especialistas, o Presidente disse que quem governa o país não são eles e o seu papel é, antes, o de alertar para a situação. Concorda?
Os especialistas não têm todos a mesma opinião. Mesmo dentro dos especialistas há opiniões diferentes. Esta coisa dos especialistas pensam uma coisa… não é verdade. O Presidente da República ouve especialistas e tem a sua opinião e, no fundo, veio dizer aquilo que é a nossa vontade, que é a dele e que é minha. Eu acredito que é a vontade do primeiro-ministro e de todos. Isto gera cansaço. As pandemias têm sempre esse problema. Mas também, agora voltando à evidência, esta pandemia também é como as outras. As pandemias têm um tempo de validade. Estamos a ultrapassar, em termos globais – não tenho grandes dúvidas que no próximo ano estaremos bastante melhor e já a acabar com esta pandemia. Até porque a vacinação vai alastrar e tem de alastrar os países mais pobres, que isso é outro problema, mas que também infelizmente não há novidade em relação ao passado. Os mais ricos tratam de si primeiro e, portanto, isto é tudo muito bonito, mas depois é tudo nacionalista. Mas daqui a um ano já grande parte da população mundial estará vacinada. Sou otimista. O número que me preocupa, quando eu vejo sempre todos os dias, é o número de UCI e de óbitos. Isto ainda apanhou alguns dos mais velhos que não tinham a segunda dose, ou que não foram vacinados. E, nomeadamente em Lisboa, parece que o problema também foi com os casamentos, as reuniões familiares, em que vão os avós e os netos. E, portanto, lá está, houve aqui alguma imprudência. Acho muito bem essas medidas. E é evidente que, à entrada de um casamento, à entrada de um evento com pessoas, de um estádio de futebol – as pessoas devem poder ir, aos estádios e devem abrir – , mas têm que estar, ou vacinadas ou com o teste negativo. Isto é óbvio. Quem não percebe isto não percebe nada. As discotecas, os bares, para mim é igual. Se estiver vacinado e se tiver negativo, eu acho que deve ser permitido. Até para obrigar as pessoas a fazer mais testes. Porque se tiverem teste negativo podem ter uma vida mais normal. E esse também é o problema, porque há resistência, nomeadamente na malta nova, a fazer testes.

“Acho que as reformas que o país precisa tem de ser ao centro”

DN-Vamos abrir uma última parte nesta nossa conversa, para olhar o momento político. É militante do PS, é a sua família política, como costuma afirmar. E da qual, de resto, já foi dirigente, na direção política

AB-Ainda sou da Comissão Política do PS. Sou há quase 30 anos. Foi da direção liderada por António José Seguro de quem sou muito amigo.

DN-Já declarou que o segurismo não existe. Que acabou quando o António José Seguro deixou de ser líder do partido. Mas pergunto-lhe se Seguro faz falta este PS que conhecemos hoje?

AB-O Seguro existe, está em grande forma, está ótimo e faz falta. Eu acho, aliás, que estamos aqui num ponto de viragem e de um novo ciclo, desta da pandemia, do PRR, de uma nova oportunidade e temos problemas em Portugal. E, como sabemos, temos aqui um problema de perceção e, nomeadamente, um problema grave de confiança das pessoas nas instituições, da corrupção que alastrou, mas também não é só em Portugal.

DN-E Seguro faz falta porque traz essa credibilidade?

AB-Todos fazem falta. Antes do Seguro, acho que todos somos poucos para a tarefa que temos pela frente, e acho que prescindir de um dos melhores, da minha geração, que é o António José Seguro, é um dos melhores, como é o António Costa, como são outros, acho que não faz sentido. É evidente que o António José está ótimo de saúde, é um homem decente, culto, preparado, que tem um sentido patriótico, moderado. Nós precisamos de moderação, nós precisamos muito de reformismo, de ambição, mas cavalheirismo, moderação, decência, confiança. Acho mesmo que é mesmo o termo cavalheirismo. Quer dizer, nós temos de ter diferenças e temos de debater as diferenças. Esta coisa do consenso é uma coisa que me mete impressão porque eu já sou velho, sou do tempo do Salazar, e isso cheira-me a Salazar. temos de ter confronto de ideias. temos de ter. Isso é bom. Que haja confronto. Mas também haver educação. A gente não tem de se insultar e andar aos berros. Este fenómeno das redes… pessoas que dizem nas redes o que não conseguem dizer ao vivo, é muita cobardia. Portanto eu não ligo muito, às vezes não ligo nada, aliás. Porque acho que… ali não interessa nada. Agora, na vida pública faz muito sentido alguém como António José Seguro. Acho que ele voltará a ter um papel na vida pública portuguesa e política e isso será bom para o país.

DN-Não apoiou a formação da geringonça, considerou, na altura que António Costa estava a ser ingénuo ao negociar com o Bloco e o PCP, porque não conseguiria um governo estável. Conseguiu, mas a verdade é que, neste segundo governo, ele já não os tem como parceiros. Reconhece-se mais neste PS pós-geringonça?

AB-Agora não vale a pena chorar sobre o leite derramado. O que é que me parece? É olhar para a frente. O Partido Socialista tem de olhar para a frente e tem de pensar que é um partido de governo, é o maior partido português, tem uma responsabilidade enorme por isso e tem de ter a audácia de ser sensato, pragmático nas políticas, nomeadamente para a economia, de apoio as empresas, de apoio à economia. Obviamente foi o Partido Socialista que fez o Serviço Nacional de Saúde e criou a saúde universal para todos os portugueses e isso é para manter, mas tem de adaptar-se. O SNS tem de adaptar-se ao século XXI, como tem de adaptar-se a educação. Portanto os valores do PS e que o PS sempre defendeu têm de ser defendidos sempre. Que é ninguém fica para trás, ninguém fica de fora e há um Estado social que cuida daqueles que vão ficando para trás, nas agruras da vida.

DN-Mas sendo um homem do centro político gostaria de ver o PS mais à direita? Na procura, justamente, desse centro político? Parece-lhe que esse é o caminho que já está a ser feito, eventualmente, por António Costa?

AB-Acho que as reformas que o país precisa tem de ser ao centro. Não é à direita ou à esquerda. É ao centro. Nós temos de ser cosmopolitas liberais nos costumes – que já somos, éramos muito conservadores; liberais nas liberdades individuais, que são fundamentais e não os perder – a nossa liberdade individual é o primeiro valor. Temos de ser verdes. Temos de ser pelo ambiente. Esta evolução digital vai trazer, em si mesmo, por exemplo, uma reforma do Estado, da saúde, de toda a nossa vida, que vai facilitar a vida às pessoas, mas que vai ter consequências na organização das instituições, do Estado, nomeadamente. E o Partido Socialista, para ser o motor dessa mudança, tem de o fazer com a direita social liberal que nós temos em Portugal, que também é patriótica, que o melhor para o país. O Partido Socialista tem diferenças, mas eu, ali nas SEDES, não tenho grande dificuldade em discutir esse assunto e temos grandes discussões e grandes debates internos, mas é fácil encontramos um ponto comum. Porque temos de mudar de vida.

DN-O que é que isso quer dizer?

AB-Um crescimento robusto da economia.

DN-Hoje e amanhã há eleições para a liderança do PS. Vai votar? Acredita que será o último mandato de António Costa na liderança do PS?

AB-Isso tem de lhe perguntar a ele, se é o último. Eu vou votar, eu voto, sou um militante disciplinado.

DN-E a corrida à sucessão? Parece-lhe que já estava lançada?

AB-É um bocadinho precipitado. Vamos lá ver. Eu até estava a pensar nisso à bocado. O António Costa é candidato à liderança do partido. Ele é mais novo do que eu. Eu não me sinto velho. 

DN-E fará sentido antever algum confronto entre Fernando Medina, Pedro Nuno Santos e o atual líder?

AB-A gente tem de ter juízo nas nossas atitudes na vida, não é? Acho que nós estamos num tempo em que temos de pensar que há coisas maiores que nós próprios. Se um dia houver a sucessão é bom que apareçam candidatos e alternativas e que haja debate, quando isso acontecer. Até lá acho um bocadinho ridículo até haver essa… porque o partido, quando isso acontecer, com certeza encontrará uma solução e alguém que possa protagonizar essa mudança. E, já agora, que também não tem de ser um homem, pode ser uma mulher. Nunca houve uma mulher líder do PS. Porque não?

DN-E à direita, creio poder dizer que foi um sá-carneirista?

AB-Fui.

DN-Como é que avalia, como é que caracteriza este PSD, de hoje, liderado por Rui Rio? Está muito longe dos ideais definidos e defendidos pelo fundador do partido?

AB-Eu tenho uma dificuldade, sabe, que isto de já ser antigo, sou amigo… trato por tu o primeiro-ministro, o Rui Rio, sou um tipo do Porto e, portanto, quando sou amigo das pessoas tenho alguma dificuldade – e é por isso que eu nunca foi um político profissional -, mas o Rui Rio é um homem decente, inteligente, sério. Acho que ainda vive um bocadinho nos anos 1990.

DN-A pergunta era sobre os ideais do partido. Tendo sido amigo de Sá Carneiro, sendo amigo de Rui Rio está numa posição privilegiada para o poder comparar.

AB-O Sá Carneiro foi das personalidades mais galvanizante que eu conheci na minha vida e que Portugal teve. Acho que foi uma perda brutal ele ter-nos deixado. Aliás, 10 anos depois, exatamente, de ter fundado a SEDES. A mesa onde nós nos reunimos na SEDES, na direção, é a mesa em que o Sá Carneiro, o Magalhães Mota, que era presidente da SEDES, e o Francisco Balsemão anunciaram o PPD em 4 de maio de 1974. Acho que ele tinha características que são muito úteis e Portugal precisa muito: coragem, ambição, determinação e um reformismo anglo-saxónico que nós precisamos muito, para simplificar processos. Nós precisamos muito Simplex. O Simplex que o PS desenvolveu mas em termos globais. Porque nós somos muito da retórica, muito conversa e pouca pouco resultado. E ele era muito isso. Eu fui para o PS muito pela atitude do Mário Soares em relação, nomeadamente, a quando morreu o Sá Carneiro. Eu estive na Alameda, é público, e aí Soares foi fundamental.

DN-Mas essas características de Sá Carneiro ia agora compará-las com as características políticas de Rui Rio?

AB-É porque eram ambos advogados. Ambos profissionais liberais, ambos os homens livres, burgueses liberais, digamos assim. Cosmopolitas.

DN-Não se comparam com Rui Rio? Pensei que ia fazer essa comparação, das características de líder político – de Sá Carneiro com as de Rui Rio.
AB-Rui Rio é diferente. O Sá Carneiro era um europeu. Um homem viajado, muito mais cosmopolita para a época e o Mário Soares também. Eles tinham muito mais em comum do que parece. A minha ligação ao doutor Mário Soares tem muito que ver com Sá Carneiro, por incrível que pareça. E depois a vida tem essas coisas curiosas. Comecei a minha vida política a ir de metro para o Largo do Rato, com 16 anos e continuo a ir de metro. Agora já tem uma estação no Rato, até na sede do PS, mas isso é curioso. No fundo eu estou no centro.

“O Chega é uma má moda. É ridículo copiar a agenda da extrema-direita europeia para Portugal”

DN-Estamos mesmo a terminar a entrevista. A ascensão do Chega. Surpreendeu-o? Como é que a entendeu? Como é que a explica?
AB-Isto das modas é como tudo na vida. Um dia tinha que cá chegar a Portugal, essa moda europeia, que é uma má moda, mas… acho que é um bocado ridículo, porque a agenda, que é copiada da extrema-direita europeia, em Portugal não existe. Os imigrantes, nomeadamente os que vêm de África, chegam a Gibraltar e viram à direita e vão para Espanha ou para França, não vêm para Portugal. Nós não temos um problema de excesso de imigração. Nós precisamos de atrair mais imigrantes. É o contrário, até pela demografia. Portanto, isso é um disparate. Muito menos a comunidade cigana. Não é um problema português. Aliás ainda por cima nos deu a Portugal até grandes vultos, e olhe, um grande jogador de futebol, o Quaresma e outros. Isso é absolutamente ridículo, é fora de época. Acho que é um fenómeno extemporâneo e quando a direita se reorganizar e quando a liderança da direita for capaz de galvanizar o eleitorado da direita… acho que o Chega, sinceramente, não passará de um epifenómeno. Nós já tivemos o PRD que, como sabe, que era um partido mais estruturado e que estava próximo de um Presidente da República e que, mesmo assim, depois desapareceu. Portugal é o país mais conservador da Europa em partidos políticos desde o 25 de Abril. O que é bom. Porque os partidos são essenciais à democracia. E a proliferação dos partidos é péssima para a democracia. Importante é que os partidos se abram. Por isso, é que eu sempre defendi primárias, por exemplo, e que todos os países europeus e todos os partidos europeus têm. Mas aqui em Portugal há uma certa resistência. E a SEDES defende isso, círculos uninominais e abrir o sistema. Isto é, os cidadãos entrarem nos partidos. Mas nos que existem. E isso é positivo porque tem de haver balizas ideológicas para o combate político. Não vale tudo. Nós temos de nos bater por ideias. Portanto, a ideologia faz sentido. Haver sociais democratas, socialistas, comunistas, liberais – em Portugal há poucos liberais, agora há a Iniciativa Liberal, que é um partido interessante. Portugal é muito antiliberal, isso é um problema português, também. E isso faz todo sentido. Por falar nisso, na SEDES, em relação ao interior, estamos a pensar propor uma coisa: Portugal é o país europeu que não tem um senado. Descobrimos isso porque andamos a ver e a fazer pela evidência. E realmente faz sentido. E um senado, porquê? Por causa da questão territorial. Mais do que regiões administrativas, protege mais o interior. Se houvesse um senado que representasse essas regiões, no estilo americano, porque no senado é que o interior é representado. Porque cada estado tem dois senadores. Pode ter 50 milhões de habitantes ou dois. E isso faz toda a diferença. E Portugal devia ter uma estrutura dessas. Até temos um senado, na Assembleia da República, que não é aproveitado… Em suma, tento focar-me no essencial. Não perder muito tempo com o acessório. E o essencial é que os partidos ao centro se fortaleçam e tenham uma agenda ambiciosa para Portugal. A SEDES vai dar-lhes isso.

O essencial é que os partidos ao centro se fortaleçam e tenham uma agenda ambiciosa para Portugal. A SEDES vai dar-lhes isso.